Tendo em vista o 1° CONCURSO DE CAUSOS GAUCHESCOS APPARICIO SILVA RILLO (Para acessar o Regulamento, clique aqui ), enviamos abaixo três...
Tendo em vista o 1° CONCURSO DE CAUSOS GAUCHESCOS APPARICIO SILVA RILLO (Para acessar o Regulamento, clique aqui),
enviamos abaixo três causos do nobre escritor, como fonte de inspiração
aos gaúchos e gaúchas de todas as querências, para que participem do
evento.
Atenciosamente.
Cândido Brasil
Presidente EPC
CAUSO 1 - UMA VEZ, UM CACHORRO
O cachorro, segundo um adágio que os gregos já conheciam, é o melhor amigo do homem. Os gaúchos das Missões e Fronteira concordam. Mas explicam o porquê: é que cachorro não rouba china de rancho, se alimenta de restos e se contenta com um simples osso de fervido. Além do que, cuida da casa sem cobrar salário. Pois há um cachorro nesse causo. Grande, pêlo negro-manchado, os dengues do seu dono - um fazendeiro de meias posses com estância nos campos de areia de São Chico de Assis. O cachorro esse não era de caçar preás, como os guaipecas de sua raça; não pegava ratos (coisa para gatos...); comia ao pé do dono e tinha lá seu pedigree. Não se misturava com os demais da estância, só ia ao campo quando o dono o convidava com um jeito de assobiar que só ele conhecia. Mas bueno. Sucede que na estância essa chega uma tarde um moço bem apessoado, vestindo pilchas de bom pano. Montava um rosilho cabos negros e trazia um cavalo de escoteiro. Notava-se, logo, ser gente de viajar bastante. O dono da estância já o esperava. Chegara-lhe um recado, um dia antes. O tal moço, das bandas de Cruz Alta, estava a comprar bois gordos nas Missões. - Buenas, senhores! - saudou de cima do rosilho. - Boleie a perna e se chegue, amigo! O mate recém foi cevado. Apeou-se o forasteiro. Atou a montada pelo cabresto e dirigiu-se ao galpão de fogo. O estancieiro de São Chico adiantou-se. A seu lado, rente às bombachas, o cachorro. O moço entreparou. Deu um vistaço geral no ambiente, seus olhos de gavião mouro deram com o cachorro, que nesta altura já rosnava, mostrando o branco dos dentes. - Seu cachorro não tem cara de bons amigos, cidadão. Quem sabe o senhor o ata na corrente ou pede a um peão para prendê-lo? - Nem se preocupe, amigo. Vá chegando no mais que eu garanto que o Negro não lhe salta. É que ele é um pouco nervoso. O moço deu mais dois passos, o rebenque pendurado no pulso pelo tento do fiel. Aí o cachorro rosnou mais forte e arrepiou o pêlo do lombo. - Segure seu cachorro, meu amigo. Com bicho desse porte não se brinca. - Passe, passe no mais. O cachorro é ensinado. A um grito meu ele se entoca no galpão. Não tenha medo. - Prevenção não é medo, meu amigo. No dia que eu fugir de um cachorro mando cortar os meus bagos pra lingüiça. - O Negro... Não acabou o dono de terminar o que iria dizer e o cachorro saltou sobre o moço. Este, já prevenido, quebrou o corpo e, rápido como um bote de cruzeira, apanhou o cachorro por uma das pernas. Foi pegá-lo e baixar-lhe o rebenque, com tanta raiva e força que o Negro - o mimoso do patrão - mijava em arco e ganiçava como um desesperado. Um último rebencaço apanhou-o por entre as orelhas e, se é que cachorro desmaia, o Negro desmaiou. Caiu como um trapo junto às botas do serrano. O dono do cachorro abespinhou-se. - Mas que barbaridade, seu! Surrar um cachorro deste jeito. Pode até ter matado o animalzinho! - Animalzinho, é? Com um metro de altura? Com essa boca de engolir mogango? - Bueno, eu mando passar salmoura no cachorro. Mas agora passe. Vamos tratar do negócio dos bois. Qual seu nome, mesmo? - Não interessa mais, cidadão. Nem quero saber o seu. Já montado, casaco aberto para mostrar os "ferros", arrematou: - Homem que não manda num cachorro não merece confiança de ninguém. Faça bom proveito dos seus bois. Deu rédeas ao rosilho e saiu assobiando, como cruzeira na cria!
CAUSO 2
"O grupo de amigos que se reunia, após o almoço, no Clube Rio Branco, de Cachoeira do Sul, falava em doenças. Todo um corso de males desfilava. Até que alguém comentou que um parente seu estava por morrer, de diabete.
O então vereador Geny Trindade, despachado e falastrão,comentou que diabete era com ele mesmo:
– Tirei carta de doutor cuidando de diabético. Minha santa avó – que Deus levou – tinha tanto açúcar no sangue, que eu e meus irmãos colocávamos arandelas de lã de pelego nos pés da cama da velha…
– Pra que, Geny?
Pras formigas não comerem a pobre da velha que, mal comparando, era uma rapadura que falava."
CAUSO 3 - Zeca do Padre I
Não há morador antigo de Vacaria que não tenha conhecido o "Zeca do Padre". Alto e magro, nariz adunco, olhos de gavião mirando pinto, sabia de todos e de tudo. Nunca por ele mesmo: "Me contaram - e se minto é por boca alheia - que..."
Tinha este apelido por haver sido, em jovem e por muito tempo, sineiro da matriz vacariana e íntimo do padre. Tão íntimo da gente de batina que acabou conseguindo um cartório, cujas funções assumiu pouco antes dos trinta anos. São várias as histórias que o têm como personagem.
Solteiro, morava numa casa de madeira que lhe servia de residência e cartório, ao mesmo tempo. Sua mesa ficava junto da janela, de onde, como de um mirante, acompanhava o movimento da vila que as fazia cidade. Isso por voltas de 1920.
Ao lado de sua casa, numa meia-água de quatro peças, morava uma castelhana " que recebia homens". Solita, como galinha em gaiola de engorde. Recebia seus amigos - na sua maioria fazendeiros abonados - depois que se fazia noite. Tinha até uma quase escala de visitantes: segunda-feira, fulano, terça, sicrano, e por aí se ia. Raramente tinha visitas à tarde.
Mas acontecia. O cliente vinha pela calçada, assobiando como quem não quer nada e, ao notar que não estava sendo observado, entrava rapidamente pelo portãozinho de ripas e ia bater na porta dos fundos. A senha era conhecida dos frequentadores: três batidas fortes, um espaço e nova batida. Abriam-se a porta e os braços da castelhana. A Zeca do Padre não escapavam esses lances. Chegava ao cúmulo de anotar nome do incauto, dia e hora da visita.
Certa tarde um moço bem apessoado - forasteiro, notou Zeca do Padre, gente de outras bandas - chegou à casa da castelhana sem qualquer preocupação. O escrivão notara que, meia hora antes, um cliente já conhecido se insinuara como um gato pela lateral da casa. A castelhana, por conseguinte, deveria estar ocupada quando o forasteiro bateu à porta da frente. Uma, duas vezes e nada.
Zeca do Padre chegou à janela. Como quem deseja apenas auxiliar, perguntou ao moço:
- É, acho que não. Ninguém responde.
- Boa tarde, moço. Não tem ninguém em casa?
- Pois se não respondem é porque tem...
Atenciosamente.
Cândido Brasil
Presidente EPC
CAUSO 1 - UMA VEZ, UM CACHORRO
O cachorro, segundo um adágio que os gregos já conheciam, é o melhor amigo do homem. Os gaúchos das Missões e Fronteira concordam. Mas explicam o porquê: é que cachorro não rouba china de rancho, se alimenta de restos e se contenta com um simples osso de fervido. Além do que, cuida da casa sem cobrar salário. Pois há um cachorro nesse causo. Grande, pêlo negro-manchado, os dengues do seu dono - um fazendeiro de meias posses com estância nos campos de areia de São Chico de Assis. O cachorro esse não era de caçar preás, como os guaipecas de sua raça; não pegava ratos (coisa para gatos...); comia ao pé do dono e tinha lá seu pedigree. Não se misturava com os demais da estância, só ia ao campo quando o dono o convidava com um jeito de assobiar que só ele conhecia. Mas bueno. Sucede que na estância essa chega uma tarde um moço bem apessoado, vestindo pilchas de bom pano. Montava um rosilho cabos negros e trazia um cavalo de escoteiro. Notava-se, logo, ser gente de viajar bastante. O dono da estância já o esperava. Chegara-lhe um recado, um dia antes. O tal moço, das bandas de Cruz Alta, estava a comprar bois gordos nas Missões. - Buenas, senhores! - saudou de cima do rosilho. - Boleie a perna e se chegue, amigo! O mate recém foi cevado. Apeou-se o forasteiro. Atou a montada pelo cabresto e dirigiu-se ao galpão de fogo. O estancieiro de São Chico adiantou-se. A seu lado, rente às bombachas, o cachorro. O moço entreparou. Deu um vistaço geral no ambiente, seus olhos de gavião mouro deram com o cachorro, que nesta altura já rosnava, mostrando o branco dos dentes. - Seu cachorro não tem cara de bons amigos, cidadão. Quem sabe o senhor o ata na corrente ou pede a um peão para prendê-lo? - Nem se preocupe, amigo. Vá chegando no mais que eu garanto que o Negro não lhe salta. É que ele é um pouco nervoso. O moço deu mais dois passos, o rebenque pendurado no pulso pelo tento do fiel. Aí o cachorro rosnou mais forte e arrepiou o pêlo do lombo. - Segure seu cachorro, meu amigo. Com bicho desse porte não se brinca. - Passe, passe no mais. O cachorro é ensinado. A um grito meu ele se entoca no galpão. Não tenha medo. - Prevenção não é medo, meu amigo. No dia que eu fugir de um cachorro mando cortar os meus bagos pra lingüiça. - O Negro... Não acabou o dono de terminar o que iria dizer e o cachorro saltou sobre o moço. Este, já prevenido, quebrou o corpo e, rápido como um bote de cruzeira, apanhou o cachorro por uma das pernas. Foi pegá-lo e baixar-lhe o rebenque, com tanta raiva e força que o Negro - o mimoso do patrão - mijava em arco e ganiçava como um desesperado. Um último rebencaço apanhou-o por entre as orelhas e, se é que cachorro desmaia, o Negro desmaiou. Caiu como um trapo junto às botas do serrano. O dono do cachorro abespinhou-se. - Mas que barbaridade, seu! Surrar um cachorro deste jeito. Pode até ter matado o animalzinho! - Animalzinho, é? Com um metro de altura? Com essa boca de engolir mogango? - Bueno, eu mando passar salmoura no cachorro. Mas agora passe. Vamos tratar do negócio dos bois. Qual seu nome, mesmo? - Não interessa mais, cidadão. Nem quero saber o seu. Já montado, casaco aberto para mostrar os "ferros", arrematou: - Homem que não manda num cachorro não merece confiança de ninguém. Faça bom proveito dos seus bois. Deu rédeas ao rosilho e saiu assobiando, como cruzeira na cria!
CAUSO 2
"O grupo de amigos que se reunia, após o almoço, no Clube Rio Branco, de Cachoeira do Sul, falava em doenças. Todo um corso de males desfilava. Até que alguém comentou que um parente seu estava por morrer, de diabete.
O então vereador Geny Trindade, despachado e falastrão,comentou que diabete era com ele mesmo:
– Tirei carta de doutor cuidando de diabético. Minha santa avó – que Deus levou – tinha tanto açúcar no sangue, que eu e meus irmãos colocávamos arandelas de lã de pelego nos pés da cama da velha…
– Pra que, Geny?
Pras formigas não comerem a pobre da velha que, mal comparando, era uma rapadura que falava."
CAUSO 3 - Zeca do Padre I
Não há morador antigo de Vacaria que não tenha conhecido o "Zeca do Padre". Alto e magro, nariz adunco, olhos de gavião mirando pinto, sabia de todos e de tudo. Nunca por ele mesmo: "Me contaram - e se minto é por boca alheia - que..."
Tinha este apelido por haver sido, em jovem e por muito tempo, sineiro da matriz vacariana e íntimo do padre. Tão íntimo da gente de batina que acabou conseguindo um cartório, cujas funções assumiu pouco antes dos trinta anos. São várias as histórias que o têm como personagem.
Solteiro, morava numa casa de madeira que lhe servia de residência e cartório, ao mesmo tempo. Sua mesa ficava junto da janela, de onde, como de um mirante, acompanhava o movimento da vila que as fazia cidade. Isso por voltas de 1920.
Ao lado de sua casa, numa meia-água de quatro peças, morava uma castelhana " que recebia homens". Solita, como galinha em gaiola de engorde. Recebia seus amigos - na sua maioria fazendeiros abonados - depois que se fazia noite. Tinha até uma quase escala de visitantes: segunda-feira, fulano, terça, sicrano, e por aí se ia. Raramente tinha visitas à tarde.
Mas acontecia. O cliente vinha pela calçada, assobiando como quem não quer nada e, ao notar que não estava sendo observado, entrava rapidamente pelo portãozinho de ripas e ia bater na porta dos fundos. A senha era conhecida dos frequentadores: três batidas fortes, um espaço e nova batida. Abriam-se a porta e os braços da castelhana. A Zeca do Padre não escapavam esses lances. Chegava ao cúmulo de anotar nome do incauto, dia e hora da visita.
Certa tarde um moço bem apessoado - forasteiro, notou Zeca do Padre, gente de outras bandas - chegou à casa da castelhana sem qualquer preocupação. O escrivão notara que, meia hora antes, um cliente já conhecido se insinuara como um gato pela lateral da casa. A castelhana, por conseguinte, deveria estar ocupada quando o forasteiro bateu à porta da frente. Uma, duas vezes e nada.
Zeca do Padre chegou à janela. Como quem deseja apenas auxiliar, perguntou ao moço:
- É, acho que não. Ninguém responde.
- Boa tarde, moço. Não tem ninguém em casa?
- Pois se não respondem é porque tem...
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