Grid

GRID_STYLE
FALSE
TRUE

Classic Header

{fbt_classic_header}

Top Ad

Últimos chasques

latest

Vinícius Brum: O pajador

Em meados dos 1970, ainda um guri, gostava de ouvir no comecinho da manhã uma voz meio rouca que vinha de um velho rádio de pilhas. O mun...

Em meados dos 1970, ainda um guri, gostava de ouvir no comecinho da manhã uma voz meio rouca que vinha de um velho rádio de pilhas. O mundo que me rodeava era o da cidade com seus edifícios e automóveis e gente apressada. A paisagem rural sempre me foi distante, ainda que, no período de férias escolares, pelo menos uma vez por ano fosse de certa forma meu hábitat. Apesar da distância, me eram familiares as lidas, os causos, as traquinagens, os cavalos e os bois. Convivi com a peonada do galpão e, desde então, aquele universo campeiro povoa minhas andanças, minhas cantigas e minha reflexões.

A voz rouca que vinha do rádio de certa maneira atualizava em mim o descortino daquele universo onírico e mítico que as folgas do colégio permitiam. Lembro-me como se, neste momento, estivesse a ouvir novamente: "Hoje eu acordei cedito, antes mesmo da boieira... Sigo mateando solito...". Assim ía a voz, no improviso, compondo a crônica dos acontecimentos do dia ou da semana.

Os fatos e as notícias eram do cotidiano, mas a forma e a entonação me devolviam ao campo ainda que o tema do discurso pudesse ser a investida do homem ao espaço sideral. E seguia a voz, agora recitando Aureliano de Figueiredo Pinto: "Por isso que hoje não dormes! / Ouviste a voz de ancestrais: / — O chimarrão principia! / Alerta! O campo vigia! / Da meia-noite pro dia / um taura não dorme mais...".

Mesmo sem saber exatamente o significado, eu me sentia um taura. Devolvido ao campo, eu ouvia a voz dos ancestrais. E assim seguia naquelas manhazitas junto ao rádio e à solidão do mate.

Anos mais tarde, já na Capital, pude conhecer de perto aquela voz e descobri que aquela forma de improvisar em versos chamava-se pajada e, portanto, quem possuía tal talento era um pajador. Neste dia comemora-se o nascimento do maior artista do gênero entre os gaúchos brasileiros. Aquele que consagrou esse fazer em nossa cultura popular. Hoje é dia, pois, de reverenciar o poeta, o cancionista, o declamador, mas sobretudo, o gênio pajador, cria da Bossoroca, nascido em 30 de janeiro de 1924: Jayme Caetano Braun.


Por: Vinícius Brum
Fonte: jornal Zero Hora / ClicRBS