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Os murmúrios do Arroio Sarandi, onde Bento Gonçalves duelou com Onofre Pires por honra

O cerro do Topador, hoje partencente a uma propriedade rural, foi um ponto estratégico dos farrapos, pela proximidade com a fronteira Fo...

O cerro do Topador, hoje partencente a uma propriedade rural, foi um ponto estratégico dos farrapos, pela proximidade com a fronteira
Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS

Por: Nilson Mariano


As águas do Arroio Sarandi, em cujas margens duelaram os farroupilhas Bento Gonçalves e Onofre Pires por questões de honra, 170 anos atrás, seguem escorrendo por entre árvores baixotas e de galhos retorcidos. Escoam cristalinas e murmurantes, filtradas por caraguatás espinhentos, como se o tempo não tivesse passado.

O que aconteceu naquele longínquo 27 de fevereiro de 1844 ainda reverbera na memória dos que vivem próximos ao Arroio Sarandi, em Santana do Livramento. Na estância onde fica o local do duelo entre Bento Gonçalves e Onofre Pires, o gaúcho Gelci Fagundes, 63 anos, ouve relatos da peonada sobre estranhos ruídos de esporas.

Seria de alguém que apeia do cavalo e, ao caminhar no solo com as botas, provoca o barulhinho metálico. Só que o forasteiro nunca chega, apenas o tinir é que chega sonante, e cada vez mais perto de quem o escuta.

– Pode ser a imaginação das pessoas, aqui é um lugar de muitas histórias – comenta Fagundes.

Conhecido por Alemão – tem os olhos claros numa família de morenos típicos da fronteira –, Fagundes cruza seguidamente o Arroio Sarandi, montado no cavalo gateado (pelo amarelo-avermelhado). Nunca sentiu algo diferente. Nem o voo súbito de uma perdiz assustou a montaria ou lhe desviou o pensamento.

Enquanto Fagundes conversa no galpão da fazenda, vem do campo o gaúcho Alvarim Rodrigues, 49 anos, trazendo na garupa do cavalo o pelego de uma ovelha que morreu. Deixou a carne aos abutres, por imprestável, e salvou a lã. Ele confirma os casos do retinir de esporas do cavaleiro fantasma.

– É o que se ouve falar – diz Alvarim.

O imaginado bater de esporas seriam ecos do duelo entre o general Bento e o coronel Onofre? Nunca se saberá. Os dois se enfrentaram por culpa de intrigas, que se agravaram quando o vice-presidente da República Rio-Grandense, Antônio Paulino da Fontoura, foi assassinado com um tiro no Alegrete, em 3 de fevereiro de 1843. Houve quem acusasse Bento de ser o mandante.

“Ladrão da honra,ladrão da fortuna”

Eram primos, parceiros no front, mas se inimizaram. Ao saber que Onofre o difamara numa reunião entre oficiais, insultando-o inclusive de ladrão, Bento escreveu-lhe uma carta cobrando satisfações. O trecho final da correspondência: “... houvesse de dizer-me com urgência, por escrito, se é verdade ou falso o que a respeito se me afirma”.

Bento era um exímio espadachim, mas já tinha 56 anos, parecia alquebrado com os rumos da Revolução Farroupilha, afogada em maledicências. Onofre não apenas reafirmou os comentários, como reavivou que Bento vinha sendo chamado de “ladrão da fortuna, ladrão da honra, ladrão da vida e da liberdade”. E respondeu, também por carta: “Não deveis, senhor general, ter em dúvida a conversa que a respeito tive”.

Ao encerrar a mensagem, Onofre pôs-se à disposição de Bento, antecipando o desfecho de um duelo: “... façais a escolha do mais conveniente, para o que sempre me encontrareis”.

Os duelistas saíram do acampamento e se bateram com espadas, às margens do Arroio Sarandi, na época território do Alegrete (hoje é a localidade do Topador, em Santana do Livramento). Mais alto, robusto, 10 anos mais jovem e também destemido, Onofre deve ter achado que venceria.

Veterano esgrimista, Bento foi aparando as estocadas de Onofre, até que o feriu no antebraço direito, pondo-o fora de combate. Poderia ter completado o serviço – não havia testemunhas –, mas foi buscar socorro.

O coronel Onofre morreu quatro dias depois, na sua barraca, em decorrência do ferimento e da falta de medicamento adequado. Então, Bento endereçou carta ao ministro farroupilha Domingos José de Almeida, lamentando o episódio e esclarecendo que Onofre fora manipulado para atingi-lo: “Eu lamento sua sorte, mas não tenho o menor remorso, porque obrei como verdadeiro homem de honra”.


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Fonte: jornal Zero Hora - matéria de 20.09.2014