Grid

GRID_STYLE
FALSE
TRUE

Classic Header

{fbt_classic_header}

Top Ad

Últimos chasques

latest

Entrevista com Oly Jr. e como a milonga encontrou o blues

Foto: Zé Carlos de Andrade Luiz Paulo Teló O músico Oly Jr. é um dos bluseiros mais destacados do cenário porto-alegrense. Na estrada...

Foto: Zé Carlos de Andrade
Luiz Paulo Teló

O músico Oly Jr. é um dos bluseiros mais destacados do cenário porto-alegrense. Na estrada desde 1998, quando, segundo ele, recebeu seu primeiro cachê, sempre buscou agregar ao ritmo típico norte-americano as influências socioculturais de quem nasceu e se criou artista no sul da América do Sul.

Oly lançou neste ano o seu décimo segundo disco, Viola de Revesgueio, em que aprofunda suas canções com base na viola de 10 cordas, instrumento já presente em outros trabalhos, mas que agora aparece como protagonista. Vencedor de alguns prêmio açorianos, o músico ganhou destaque maior a partir de 2009, ano que lançou o inovador Milonga Blues. No álbum, aproximou de vez as duas extremidades do continente americano, e desde então vem aprimorando a cada disco essa sonoridade tão particular.

Ao Culturíssima, Oly Jr. contou como tudo isso aconteceu, e comentou a forte influência de artistas como Bebeto Alves, Vitor Ramil e Muddy Waters, assim como o folk rock de Bob Dylan, além do rock feito por bandas gaúchas nos idos dos anos 80 e 90. Confira o papo.

Culturíssima: Esse ano você lançou Viola de Revesgueio. É um trabalho baseado na viola de 10 cordas. Como foi trabalhar com esse instrumento e trazer ele para dentro da tua identidade musical?

Oly Jr.: Na real, desde 2009 eu venho tocando viola de 10 cordas e inserindo ela no meu trabalho. No disco Milonga Blues, de 2009, eu toquei slide na viola em boa parte das músicas. No disco seguinte, o Milonga em Blue (Notas do Delta), de 2012, toquei menos, porque nesse ano eu estava com um violão ressonador de metal, que eu quis explorar bem essa sonoridade. Então dosei mais os slides entre esse violão e a viola. No disco em parceria com o chileno Gonzalo Araya, Do Delta do Jacuí ao Deserto do Atacama, de 2013, também toquei com um violão e uma viola ressonadora, que aqui no Brasil são chamadas de dinâmicas. Aí em 2014 eu resolvi fazer um disco dedicado à técnica do slide. Todos esses discos gravado no estúdio Musitek, do meu grande chapa Otávio Moura. Bueno, o slide é um objeto cilíndrico, ou um tubo, que pode ser feito de vários materiais, mas os mais usados são os de metais, de porcelana, e no meu caso, de vidro. É usado como efeito sonoro, deslizando esse objeto em algum instrumento de cordas, geralmente no violão ou na guitarra, mas no meu caso, e pra o disco Dedo de Vidro, usei direto numa viola de 10 cordas e numa guitarra de 10 cordas, que eu chamo de “guitarola”, que eu pedi para o luthier André Moraes fazer pra mim.

E agora lancei o Viola de Revesgueio, também gravado somente com uma viola de 10 cordas, no “home studio” do grande guitarrista e produtor Paulo Inchauspe, que além de co-produzir o disco, que momentaneamente é virtual, também tocou guitarra, violão, escaleta e fez backvocal. Então, desde 2009 eu venho tocando mais viola do que violão ou guitarra. Mas o meu estilo não é convencional e de senso comum para o instrumento. Por isso resolvi usar a palavra “revesgueio” para intitular o trabalho, que quer dizer que o troço é meio que enviesado, revirado, ou coisa parecida. A viola é um instrumento que chegou no Brasil via Portugal, e na época da colonização até o século XIX, era o instrumento mais popular. Depois o violão tomou conta. E aqui no sul perdeu muito espaço pro acordeon. Mas se manteve forte no interior paulista, em regiões de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Paraná e nordeste brasileiro. Enfim a história do instrumento é longa. O fato é que acabei me apaixonando pela sonoridade da viola, e achei que poderia tranquilamente me expressar artisticamente através dela, com ares de milonga e blues, usando a técnica do slide, misturando com a gaita de beiço, fazendo paralelos desses universos. Veio tudo ao mesmo tempo. Tem muita coisa a ser explorada ainda.

Acha que tua carreira se divide entre antes e depois do disco  ou já nos primeiros trabalhos você já imaginava chegar a essa estética?

Acho que sim. De modo resumido, sucinto, pra fins de entendimento rápido, creio que o disco Milonga Blues me projetou mais no cenário artístico, por conta de um certo ineditismo, que consequentemente levou muitos formadores de opinião com acesso aos mais variados meios de comunicação, a dar uma nota que seja sobre a mistura da milonga com o blues, e também por conta de eu ter sido agraciado com três troféus do Prêmio Açorianos de Música em 2010. Com isso, mais gente ficou a par, digamos assim, do que eu vinha fazendo em termos de música. Tal disco era pra ser um álbum duplo, pois eu já tinha muitas canções autorais e algumas releituras de milongas com um tempero blues. Resolvi me conter, e lançar somente algumas canções autorais que estavam mais azeitadas. Acabou que eu tive um bom reconhecimento midiático, dentro d’umas, assim como uma boa venda de discos, e pude trabalhar bastante esse sincretismo musical, que resultou no disco Milonga em Blue (Notas do Delta), da qual interpreto milongas que permeiam as carreiras de Bebeto Alves, Vitor Ramil e Mauro Moraes, e que também resultou num Prêmio Açorianos de Música, em 2012.

Que influências fundamentais te alimentaram artisticamente e que processo te fez chegar à mistura da milonga com o blues?

Ao longo da minha carreira profissional, que eu contabilizo a partir de 1998, quando ganhei meu primeiro cachê e tirei a carteira da Ordem dos Músicos, sempre tentei buscar uma sonoridade ímpar. E os elementos que eu usava para me expressar e buscar uma digital artística, gira em torno do blues, do rock, com pitadas do folk americano, com ecos da música brasileira e sulista. Mas o blues sempre foi meu ponto de partida. Sempre achei que eu estava no caminho certo fazendo blues em português, baladas, rock in geral, cruzando Bob Dylan com Almôndegas, e tentando compor coisas que tivesse a ver com o meu universo existencial. A milonga era um terreno da qual eu entrava eventualmente, mas sempre me sentia tocando Amigo Punk, ou imitando de certa forma, trejeitos milongueiros do Bebeto Alves, ou do Vitor Ramil, pra qualquer coisa que eu fizesse nesse aspecto. Até que resolvi prestar mais atenção nos detalhes harmônicos e culturais desse gênero, atentando pra coisas que me passaram despercebidas nas minhas primeiras audições de discos como Mandando Lenha e Ramilonga em meados da década de 90. Em 2008 que foi cair a ficha. Calhou de voltar a escutar esses discos com outra perspectiva, ao mesmo tempo que entrei numas de aprender a tocar viola de 10 cordas e aprimorar minha técnica de slide. Ou seja, passei uma temporada ouvindo direto Muddy Waters, Elmore James, Robert Johnson, Almir Sater, Paulo Freire, Roberto Correa, Bebeto Alves, Vitor Ramil, Mauro Moraes, e tentava reproduzir todas aquelas audições num simples tocar, numa composição, num cantar qualquer, mas de modo espontâneo e peculiar, afim de que esses elementos me despertassem um sentido de pertencimento, em que todas aquelas informações artísticas e culturais afunilassem, ou se fundissem, e resultassem numa coisa qualquer, que eu pudesse ao menos sair da minha zona de conforto, e no meu andar circular da época. Aí tive uma espécie de idiossincrasia. Peguei a viola, mudei a afinação, toquei uma harmonia de blues em tom menor, com o bordoneio característico da milonga, deslizando o slide sobre as cordas e aço, com eventuais intervenções da gaita de boca. E tô aperfeiçoando até hoje.

Você demonstra ser um profundo pesquisador da história e da técnica para tocar esses estilos. Quando surgiu esse interesse? Vem junto com a vontade de ser musico?

Creio que o meu interesse do saber sobre esses elementos culturais e musicais, veio na medida que crescia minha vontade artística e humana, de relacionar arte com herança, por assim dizer. Me perguntava o que de fato eu deixaria como herança musical e cultural pras futuras gerações. Creio que junto com a necessidade de me manifestar através da música pura e simples, também tinha uma necessidade de inserção e intervenção social. Não vejo a música como arte individualista e dissociativa. Penso nela com elemento agregador e coletivo. Na medida em que eu buscava uma identidade artística, sentia necessidade de pesquisar sobre aquilo que me interessava, pra me abastecer de conteúdo e tentar entender alguns “porquês”, tanto na esfera sociocultural, quanto musical. O “saber” torna o sentido de pertencimento menos fanático e ignorante. Entendo que o senso comum midiático distorce, ou limita muito o desenvolvimento cultural em qualquer instância. E a pesquisa, associada à inquietação social, aflora o senso crítico, e não se deixa dominar, ou persuadir, ou ainda, reduzir por algum contexto de senso comum.

Você citou Bebeto Alves e Vitor Ramil como referências. São caras que despontaram nos anos 80 e ainda seguem na ativa. Acha que falta surgir uma nova geração que também busque a mistura da milonga com a música urbana?

Creio que o processo geracional seja um troço com múltiplos aspectos sociais, educacionais, culturais e econômicos, e um assunto bem complexo de se tirar uma conclusão assim no más. Mas de forma bem resumida, creio que pra surgir uma geração de músicos e artistas que dialoguem com elementos regionais, contemporâneos, rurais, urbanos e fronteiriços, tenha que ter uma fomentação geracional no campo jornalístico, no campo das gestões culturais, nos meios de comunicação como um todo, na política e sobretudo na população consumidora de arte e cultura. E isso exige um processo educacional muito amplo. Mas eu já vejo uma articulação espontânea em muitos artistas da minha geração, e também mais nova, no que diz respeito ao usufruto não só da milonga mais especificamente, mas também de ritmos regionais sulistas, cruzando com múltiplas gêneros e harmonias contemporâneas, muito em virtude do Bebeto Alves e Vitor Ramil, que mudaram os rumos da música sul-brasileira, e tiraram a milonga do apelo rural e tradicional, aproximando ela com a música brasileira e mundial contemporânea.




O disco Dedo de Vidro teve uma projeção importante. Chegou a ter citação na imprensa internacional, né? Como foi isso pra ti?

Na real eu fui citado no Wall Street International, numa matéria sobre o blues feito no Brasil. O jornalista falou um pouco da impressão dele sobre alguns artistas brasileiros que tem o blues com força motriz, por assim dizer, e me citou como um dos nomes que chamou sua atenção, colocando uma foto minha na matéria, no meio de grandes nomes tupiniquins. Fiquei feliz e lisonjeado pelo reconhecimento e por ter causado boa impressão num jornal da terra do blues, por um jornalista especialista em escrever matérias sobre o velho estilo do Mississippi. O Dedo de Vidro teve boa projeção. Fui indicado ao Prêmio Açorianos de Música, ganhei matérias bem boas em jornais e sites de excelente circulação, destacando as canções do disco, minha condição artística, e fiz bastante shows. Ainda colho frutos por conta da milonga-blues-tocada-com-dedo-de-vidro-numa-viola.

Sente falta de um jornalismo cultural mais atuante e crítico, no sentido de criar público consumidor de arte?

Sinto muita falta. Talvez eu sinta mais por ter presenciado na minha juventude uma certa movimentação cultural na cidade de Porto Alegre, amplamente cobrida pelos jornais locais, rádios e programas de TV. Mas foram outros tempos tecnológicos e de absorção artística. O mundo virtual, ao mesmo tempo que aproximou os mundos, globalizando qualquer informação, dando voz a qualquer vivente com acesso a internet, também tirou as pessoas das ruas, que já estavam sendo preteridas pelos veículos automotores, e ameaçadas pela falta de segurança pública. Aí junta tudo isso com a falta de uma política educacional para fomentar a cultura, o senso crítico da população, e o cercamento midiático por um consumo rápido e constante, por coisas fugazes e fúteis, aí o troço vai definhando mesmo.

Como começou a tua história com o Julio Reny? Rock gaúcho também é uma influência forte?

Eu sempre admirei a arte do Julio, tinha seus discos, tocava algumas músicas dele, e depois que eu comecei a tocar profissionalmente, o encontrava em algumas gigs, e eventualmente o convidava como participação especial em alguns shows meus. Até que no ano de 2008 o Guilherme Würch, baixista da banda Os Irish Boys, que acompanha até hoje o Julião, não pode ir num programa de TV, e eu fiz o baixo nessa ocasião. Algumas semanas depois, a banda ficou sem guitarrista pra alguns shows e o Julio me chamou pra cobrir algumas datas e acabei sendo efetivado. Compomos uma canção juntos, chamada Adeus Companheiro, que o Julio chama de “milonga-western”, que está tanto no disco Milonga Blues, quanto no disco Bola 8 [do Julio]. É uma satisfação e um prazer imenso tocar e aprender uns macetes com esse artista de marca maior, de extrema importância pra música feita no sul do Brasil. O dito “rock gaúcho” foi bem importante pra minha formação musical. Quando comecei a aprender a tocar violão de forma autodidata, muito pra tocar em reuniões de amigos, era meio que obrigatório saber músicas de TNT, Cascavelletes, Garotos da Rua, tanto quanto Barão Vermelho, Legião Urbana, Titãs, e outros tantos do “boom” do dito “rock nacional”. Mas as bandas e os artistas locais, eram cultuados por adolescentes como eu, na virada dos anos 80 pros 90. Assim como era de praxe acontecer muitos eventos musicais na cidade, principalmente ao ar livre, era um acontecimento reunir os amigos e conhecidos, pra ver esses artistas tocar ao vivo. Tanto o dito “rock gaúcho” como a dita “MPG”, rótulos extremamente reducionistas, na minha opinião, mas perfeitamente compreensíveis, quando se percebe, ou se supõe, que os “fundos da América do Sul e quintal do país”, é meio que escanteado em detrimento aos acontecimentos do centro do país, foram e são de extrema relevância pra minha formação musical e cultural.

Ano passado você ingressou na faculdade de música. Um dos objetivos é passar a dar aula. Li em outra entrevista tua que um dos motivos é a dificuldade de ainda viver só de música. Como você avalia o nosso mercado local hoje?

Estou fazendo faculdade de Licenciatura em Música no IPA. Realmente de uns anos pra cá, a dificuldade em viver somente da arte musical, pelo menos pra mim, aumentou e eu me vi quase que obrigado desenvolver um plano “B”, que não duvido que se torne plano “A”, pra poder complementar a renda de uma família que estava se formando, a partir do momento em que eu casei e tive o primeiro filho, o segundo, e os gastos foram aumento, e tendem a aumentar mais. O mercado pra quem faz arte musical fora do contexto midiático, ou não faz um tipo de música preferida e fomentada pelos canais de comunicação em massa, é muito incerto. Eu diria que é um esporte radical com altas doses de adrenalina, e imprevisibilidade. E mesmo pra quem faz música meramente para fins de entretenimento e modismo, pode ser muito arriscado, frente ao alto grau competitivo do mercado. O negócio é vender. Fomentar o consumo, e não a reflexão. E isso é de maneira global, não só local. Existem peculiaridades regionais, mas como eu disse, a virtualidade aproximou, condensou, e tornou o mundo ocidental quiçá oriental, uma aldeia global, voltado ao consumo, status, formulismos, fama e enriquecimento. O que eu posso dizer!? Resistiremos. No meu caso, fazendo música, e/ou educando meus filhos e filhos dos outros, usando a música como elemento despertador pra outras possibilidades, que não o senso comum. Música enquanto fomentação cultural, social, crescimento pessoal e coletivo, pro desenvolvimento do senso crítico.


Fonte: portal Culturissima