A soprano gaúcha Gabriella Di Laccio, radicada em Londres desde 2001, estudou música a vida toda. Mas só há dois anos se deu conta de qu...
A soprano gaúcha Gabriella Di Laccio,
radicada em Londres desde 2001, estudou música a vida toda. Mas só há
dois anos se deu conta de que algo precisava mudar no mundo das obras
eruditas. Ao achar por acaso a “Enciclopédia internacional das mulheres
compositoras”, publicada em 1987 pelo pesquisador Aaron Cohen,
mergulhou num universo feminino de seis mil nomes, desconhecidos em sua
grande maioria. A descoberta, parte de uma pesquisa que Gabriella já
vinha fazendo de forma gradual, mudou a trajetória da cantora,
fundadora do selo independente Drama Musica, e levou-a a questionar por
que as principais salas de concerto do mundo raramente dão espaço para
compositoras clássicas.
— Tenho até vergonha de dizer: demorei tanto tempo para perceber que existia essa imensidão de obras clássicas de grande qualidade compostas por mulheres. Estudei autoras do barroco e do romantismo, como as de Francesca Caccini e Clara Schumann, mas contava esses nomes nos dedos — admite Gabriella, formada pelo Royal College of Music. — Passei a incluir, aos poucos, peças de mulheres nas minhas apresentações.
Foi nessa investigação sobre representatividade, ou sobre a falta dela, que a soprano criou o Projeto Donne, para divulgar a música de autoras clássicas. Lançado este ano, o site do projeto (por enquanto só em inglês) inclui uma extensa lista de compositoras e uma série de vídeos curtos para serem compartilhados além do nicho acadêmico. O Donne engloba ainda uma coletânea de cinco CDs, dois deles já gravados: “Homage”, com canções de brasileiras e italianas; e “Le donne e la chitarra”, com peças de violão romântico de compositoras do século XIX.
Gabriella conseguiu chamar a atenção da imprensa britânica ao divulgar o resultado de uma pesquisa sobre a programação das 15 maiores orquestras do mundo: 97,6% das peças que serão tocadas entre 2018 e 2019 são de autoria masculina. Para ela, o número prova a necessidade de se brigar por diversidade, o que não significa “descartar Mozart ou Beethoven”.
— Nos séculos XVIII e XIX, a maioria das músicas foi composta por homens, por razões sociais e históricas. Mas não reconhecer o que também foi feito por mulheres é ignorância. Não dá mais para aceitar o argumento de que não há um número suficiente de boas músicas de mulheres. Esse repertório existe — explica.
REVOLUÇÕES FEMININAS
Apaixonada por relatos sobre figuras revolucionárias, Gabriella descobriu nomes como Leokadya Kahsperova (1872-1940), pianista e pedagoga russa que foi professora de Stravinsky e produziu uma obra poderosa, só reconhecida recentemente. Entre as brasileiras, ela se encantou com o legado da compositora e pianista Esther Scliar (1926-1978), que viveu em Porto Alegre, e o de Dinorá de Carvalho (1904-1980), primeira mulher admitida na Academia Brasileira de Música.
Em 20 de setembro, a soprano se apresentará na Royal Academy, em Londres. Homenageará a compositora inglesa Betty Roe, que assinou centenas de composições, mas continua hoje, aos 88 anos, pouco conhecida.
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— Se todas as orquestras do mundo incluíssem pelo menos uma peça de mulher nos concertos, já faria grande diferença — defende.
MÚSICA SEM GÊNERO
Algumas iniciativas confirmam o início de uma movimentação para vencer estigmas no meio erudito. O Trinity Laban, um dos mais respeitados conservatórios de Londres, anunciou que a metade de sua programação de 2018/2019 será reservada para peças de mulheres. Festivais importantes, como o BBC Proms, também se comprometeram a reservar 50% dos programas, até 2022, para compositoras. No Brasil, uma pesquisa dos pianistas Alexandre Dias e Wandrei Braga resultou no Acervo Digital Chiquinha Gonzaga, viabilizando o acesso à imensa obra da brasileira.
— É possível ouvir o gênero na música? Não. Mas para que a escolha de clássicos seja mais justa, as instituições devem pesquisar mais para ampliar seu repertório — diz Gabriella.
Fonte: portal OGlobo
Para ver a publicação original e outras matérias, clique aqui.
— Tenho até vergonha de dizer: demorei tanto tempo para perceber que existia essa imensidão de obras clássicas de grande qualidade compostas por mulheres. Estudei autoras do barroco e do romantismo, como as de Francesca Caccini e Clara Schumann, mas contava esses nomes nos dedos — admite Gabriella, formada pelo Royal College of Music. — Passei a incluir, aos poucos, peças de mulheres nas minhas apresentações.
Foi nessa investigação sobre representatividade, ou sobre a falta dela, que a soprano criou o Projeto Donne, para divulgar a música de autoras clássicas. Lançado este ano, o site do projeto (por enquanto só em inglês) inclui uma extensa lista de compositoras e uma série de vídeos curtos para serem compartilhados além do nicho acadêmico. O Donne engloba ainda uma coletânea de cinco CDs, dois deles já gravados: “Homage”, com canções de brasileiras e italianas; e “Le donne e la chitarra”, com peças de violão romântico de compositoras do século XIX.
Gabriella conseguiu chamar a atenção da imprensa britânica ao divulgar o resultado de uma pesquisa sobre a programação das 15 maiores orquestras do mundo: 97,6% das peças que serão tocadas entre 2018 e 2019 são de autoria masculina. Para ela, o número prova a necessidade de se brigar por diversidade, o que não significa “descartar Mozart ou Beethoven”.
— Nos séculos XVIII e XIX, a maioria das músicas foi composta por homens, por razões sociais e históricas. Mas não reconhecer o que também foi feito por mulheres é ignorância. Não dá mais para aceitar o argumento de que não há um número suficiente de boas músicas de mulheres. Esse repertório existe — explica.
REVOLUÇÕES FEMININAS
Apaixonada por relatos sobre figuras revolucionárias, Gabriella descobriu nomes como Leokadya Kahsperova (1872-1940), pianista e pedagoga russa que foi professora de Stravinsky e produziu uma obra poderosa, só reconhecida recentemente. Entre as brasileiras, ela se encantou com o legado da compositora e pianista Esther Scliar (1926-1978), que viveu em Porto Alegre, e o de Dinorá de Carvalho (1904-1980), primeira mulher admitida na Academia Brasileira de Música.
Em 20 de setembro, a soprano se apresentará na Royal Academy, em Londres. Homenageará a compositora inglesa Betty Roe, que assinou centenas de composições, mas continua hoje, aos 88 anos, pouco conhecida.
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— Se todas as orquestras do mundo incluíssem pelo menos uma peça de mulher nos concertos, já faria grande diferença — defende.
MÚSICA SEM GÊNERO
Algumas iniciativas confirmam o início de uma movimentação para vencer estigmas no meio erudito. O Trinity Laban, um dos mais respeitados conservatórios de Londres, anunciou que a metade de sua programação de 2018/2019 será reservada para peças de mulheres. Festivais importantes, como o BBC Proms, também se comprometeram a reservar 50% dos programas, até 2022, para compositoras. No Brasil, uma pesquisa dos pianistas Alexandre Dias e Wandrei Braga resultou no Acervo Digital Chiquinha Gonzaga, viabilizando o acesso à imensa obra da brasileira.
— É possível ouvir o gênero na música? Não. Mas para que a escolha de clássicos seja mais justa, as instituições devem pesquisar mais para ampliar seu repertório — diz Gabriella.
Fonte: portal OGlobo
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