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Região do Rio Grande do Sul tem tudo para ter o melhor vinho do Brasil

A Campanha Gaúcha já está desenvolvendo seu selo de Indicação de Procedência, que vai atestar a origem dos vinhos da região Foto: Julio...


A Campanha Gaúcha já está desenvolvendo seu selo de Indicação de Procedência, que vai atestar a origem dos vinhos da regiãoFoto: Julio Soares/divulgação

Campanha gaúcha, na fronteira com o Uruguai, tem as mesmas características de solo e clima das melhores vinícolas do mundo e quer usar isso para produzir vinhos fortes e encorpados


por Guilherme Grandi


O que antes era só pasto com criação de gado, plantação de soja e arroz, agora está dando lugar a uma nova cultura e criando tradição. A Campanha Gaúcha, no extremo sul do Rio Grande do Sul, está despontando no mercado nacional de vinhos por ter as mesmas características de clima e solo de regiões vinícolas famosas no mundo, como a Argentina, Chile, África do Sul e a Califórnia (EUA).

A Campanha Gaúcha é propícia para a produção de vinhos fortes e encorpados por conta dos dias de muito sol e calor durante o verão, com temperaturas mais amenas à noite e quase nada de chuva, e frio de bater os queixos no inverno. São tudo o que as uvas mais gostam.

Este conjunto de fatores chamou a atenção dos norte-americanos ainda na década de 1970, quando viram no Brasil um grande potencial para produzir vinhos finos. Após muitos estudos, eles identificaram na Campanha Gaúcha as quatro estações do ano bem definidas com o solo propício para o desenvolvimento das uvas finas.

Fabrício Domingues, engenheiro agrônomo e coordenador da unidade de Santana do Livramento da Vinícola Almadén, explica que a Campanha está situada no chamado ‘paralelo 31’, o mesmo meridiano das melhores vinícolas do mundo.

“O terreno da Campanha é muito particular, faz parte do Pampa e tem um ecossistema único, com dunas fósseis extremamente arenosas e uma boa drenagem. Os californianos da Almadén viram todo esse terroir e trouxeram as primeiras mudas dos Estados Unidos. Foi quando tudo começou”, conta.

No entanto, foi preciso quase meia década para que os pecuaristas da região enxergassem este potencial visto primeiro pelos americanos. Atualmente são apenas 17 vinícolas na faixa de terra que vai de Itaqui, na fronteira com a Argentina, até Candiota, um pouco acima da divisa com o Uruguai.

Uma nova cultura


As primeiras garrafas da Vinícola Pueblo Pampero, a mais nova da região, ainda são de uvas de outros produtoresFoto: Julio Soares/divulgação


Por estar na fronteira com os países latinoamericanos, a Campanha tem o ‘portunhol’ como seu idioma extraoficial. E isso ajudou muito a trazer a cultura vinícola dos vizinhos hermanos.

A uruguaia Cíntia Lee Martínez Megget, por exemplo, atravessou a fronteira e abriu a vinícola Pueblo Pampero há quatro anos. A fazenda dos sogros até então só produzia arroz, verduras, gado e licor de laranja, e os vinhos sequer estavam no radar. A pedido dos clientes, Cíntia e o marido, Marcos, começaram a plantar uvas das variedades tannat, gamarete e cabernet sauvignon, e testar outras opções.

A vinícola dela é a mais nova da região, e sequer engarrafou a primeira safra com uvas próprias. O Indómito é produzido com frutos de outros produtores.

“É uma vinícola pequena, com tanques de 500 a mil litros. Tudo é muito artesanal, a cava mesmo é a antiga estrebaria dos cavalos com os tanques no depósito de feno”, conta Cíntia.

Já a Rosana Wagner, da vinícola Cordilheira de Sant’Ana, está na outra ponta da linha do tempo. Ela trabalhou 18 anos na Vinicola Almadén — a primeira a abrir um grande vinhedo na Campanha — e há 15 anos faz seus próprios vinhos aos pés do Cerro Palomas. Com tanto tempo de campo, ela já sabe quais uvas melhor se adaptaram ao terroir local.

“As uvas tannat e chardonnay se desenvolveram bem aqui, além da gewurz traminer (branca). Aqui tem a vantagem de não precisarmos fazer tratamentos adicionais à produção, tudo é muito natural e as raízes vão ainda mais fundo em busca de nutrientes”, explica.

Ela produz apenas vinhos de guarda que podem ficar estocados por anos sem perder qualidade. Quanto mais antiga a safra, melhor. A linha dela tem vinhos de uvas colhidas em 2005 (cabernet sauvignon), 2008 (merlot) e 2014 (chardonnay), encontrada em lojas de São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e, claro, no Rio Grande do Sul.

Vinícolas boutique


Na Campos de Cima, Hortência Ravache comanda a vinícola junto das filhas Vanessa e ManuelaFoto: Julio Soares/divulgação


Assim como a vinícola de Rosana, toda a Campanha Gaúcha é formada por pequenas propriedades com produções limitadas e estrutura de boutique. Geralmente é a própria família dona do vinhedo que atende os visitantes.

Hortência Ravache Brandão é uma delas. Junto das filhas Vanessa e Manuela, a carioca radicada na longínqua Itaqui — na fronteira com a Argentina — toca uma pequena vinícola de apenas 15 hectares. Não à toa, o principal rótulo é uma homenagem à avó que era uma apaixonada por vinhos.

“O Irene Antonietta é um rosé que eu produzi especialmente para a minha avó, uma mulher forte e guerreira que não se dava por vencida. E tudo aqui na Campanha tem a mão feminina. Praticamente todas as vinícolas são comandadas por mulheres, com cuidados detalhistas e com os pés no chão”, conta.

É também de uma vinícola boutique que saiu o melhor vinho tinto do Brasil, de acordo com o Guia Descorchados 2019, desbancando até mesmo os tradicionais do Vale dos Vinhedos. A produção do Rastros do Pampa Tannat 2018 é acompanhada de perto pela engenheira agrônoma Gabriela Hermann Pötter, neta dos fundadores da Guatambu.

“Apesar do vinho ser de uma safra jovem, ele levou o prêmio por conta de todas as condições da região. É um vinho elegante e potente, com paladar bastante aveludado e aromas de frutas escuras como mirtilo e amora e notas de chocolate”, explica a engenheira. A produção da vinícola é limitada a 100 mil garrafas por ano.

Aproveite e conheça também os 16 melhores vinhos brasileiros da última avaliação nacional, realizada no ano passado.

Azeite de oliva


A imensidão dos Pampas também tem espaço para o azeite de oliva, a partir de uma pesquisa iniciada no final da década passadaFoto: Julio Soares/divulgação


E se não bastassem os bons vinhos e os tenros filés de Angus, os produtores descobriram que essa terra também dava para fazer azeite de oliva. Luiz Eduardo Batalha chegou à Bagé em 2005 trazendo seu rebanho bovino do interior de São Paulo. Hoje aos 72 anos, ele se orgulha de ter entrado em uma aventura que ninguém dava muita atenção.

“Há uns 10 anos eu conheci um experimento com oliveiras na Miolo e comecei a fazer alguns testes. Dois anos depois implantei efetivamente em 400 hectares da fazenda e hoje produzo cerca de 500 mil quilos de azeitonas”, explica o visionário empresário.

No olival do Batalha são produzidos 50 mil litros de azeite de oliva de 14 variedades de azeitonas, entre elas a grega koroneiki. São quatro rótulos produzidos, além de um grande projeto de enoturismo que terá um hotel dentro da propriedade. Ele ainda faz visitas guiadas diurnas ou noturnas a R$ 125 com refeição (cordeiro no fogo de chão, cortes de Angus e saladas) e passeio a pé com duração de três horas.

Máquinas no campo


A maioria das vinícolas ainda trabalha com colheita manual das uvas, mas as máquinas já estão a todo vapor nas mais comerciais. Afinal, com tanto potencial, era de se esperar que a tecnologia um dia chegaria à Campanha Gaúcha. E chegou.

A pioneira de larga escala Almadén começou a implantar a colheita mecanizada no início deste século, e metade do vinhedo de 450 hectares já tem as máquinas trabalhando. Cada colheitadeira substitui a mão de obra de 120 pessoas, o que diminui custos e ajuda a baratear um pouco o preço final de venda.

“A máquina trabalha desde o nascer do sol, por volta das 6h, até às 22h sem parar. Já o processamento é feito 24 horas, a indústria não para”, explica Fabrício Domingues.

Além da mecanização do campo, os produtores também realizam pesquisas em busca de novas variedades e a intervenção mínima na evolução dos vinhedos. Isso não quer dizer que seja uma produção totalmente natural ou biodinâmica, explica Rosana Wagner, da Cordilheira de Sant’Ana.

“Não tem nada a ver com vinhos orgânicos ou leveduras naturais. Eu chamo de natural o mínimo possível de intervenção, colocando apenas leveduras selecionadas e nada mais”, esclarece a pesquisadora.

E assim, esta região vai descobrindo uma nova vocação. Da pecuária ao vinho, e por que não à azeitona, a esperança é de que o sol nunca se ponha. “E se o sol se pôr, que seja para brindar as conquistas de mais um dia”, finaliza Clori Peruzzo.

*o jornalista viajou a convite do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin).


Fonte: portal Gazeta do Povo

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